terça-feira, julho 07, 2015

As Histórias da Bruxa Velha (L.F.Riesemberg)

Como todas as tardes, a bruxa sentou-se sobre a pedra no centro da masmorra e começou a contar para quem quisesse ouvir.
“Vejam!”, ela disse, apontando o dedo enrugado para o buraco na parede, cheio de grades. “O Sol está a cada dia mais vermelho. É um sinal”.
Todos ao redor ficaram em profundo silêncio. A bruxa era sábia, conseguia prever o futuro.
“Em breve serei levada à fogueira, mas vocês são a esperança!”.
Os ouvintes sequer piscavam, observando que estava prestes a começar a história daquele dia.
Ela iniciou com sua voz melodiosa e foi incorporando cada personagem com expressões e gestos, apesar dos tremores nas mãos. Fascinado, o seleto público ouvia o conto com espanto e lágrimas no olhar, absorvendo cada lição daquele momento.
Ao final da história, durante aquele breve silêncio, os ouvintes notaram a respiração ruidosa.
“Sim, minha hora está chegando. Seja pelo fogo da Inquisição, ou pelo corpo em frangalhos, em breve deixarei este mundo”.
“Mas, senhora”, disse um dos ouvintes. “Como poderemos nos salvar, sem o aprendizado que nos concede?”.
A velha encarou a todos. As rugas em seu rosto denunciavam uma vasta experiência sobre a Terra.
“É verdade que o fim dos tempos está chegando. Mas vocês podem adiá-lo, fazendo como eu, contando histórias para os que queiram ouvir”.
“E de onde vamos tirar o que contar, senhora?”.
Ela suspirou com dificuldade e passeou os olhos por tudo e todos à sua volta.
“Veja. Essas grades que nos prendem, elas não são reais. Logo adiante está uma gigantesca floresta mágica, onde cada árvore e cada inseto trazem uma história. E depois há uma praia, onde todo grão de areia e cada gota do oceano têm algo a ensinar. Aqui mesmo, entre as rachaduras destas paredes, debaixo de cada pedra, há sempre uma fábula e uma lição esperando para serem encontradas. Vocês só precisam ir pegá-las, mesmo que apenas em pensamento”.
Um ouvinte levantou o dedo: “E assim vamos conseguir salvar o mundo?”.
“Mas é claro”, disse ela, fechando os olhos. “Enquanto houver histórias sendo compartilhadas, levando aos ouvidos das pessoas tudo o que é belo, o universo estará a salvo. A escuridão só chegará quando ninguém mais lembrar-se da poesia que há nas pequenas coisas”.
O fim da frase foi interrompido pelo ruído de uma porta que se abria e pela claridade que veio de repente. Todos olharam para a mulher de branco que chegava puxando uma pequena carroça de poções e instrumentos mágicos. De súbito, o ambiente foi mudando de cores e formas, exatamente como quando se acorda de um sonho.
“Dona Dinorá, hora do medicamento”, disse a enfermeira. “E infelizmente o horário de visitas já terminou, crianças”.
O pequeno casal de ouvintes levantou, ambos contrariados, e cada um beijou uma das faces da velhinha.
“Obrigado pela história de hoje, vovó! Vai contar outra amanhã?”.
E ela apenas sorriu.
“Quem sabe, meus fofinhos?”.

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