“Eu quase cheguei a
acreditar”. Eis a afirmação que resume muito bem os contos fantásticos
tradicionais, produzidos no século XIX, dos quais o francês Guy de Maupassant é
um dos maiores expoentes. Nesta coletânea Contos Fantásticos – O Horla e outras
histórias (L&PM Pocket, vol. 24) podemos ler alguns dos melhores exemplares
deste estilo de narrativa, escritos por um mestre das palavras que foi
discípulo de outro grande mestre: Gustave Flaubert.
Assim como vários
outros escritores de histórias góticas e sobrenaturais da época, Maupassant
teve uma existência breve e atribulada. Toda sua obra — de mais de trezentos
contos, alguns romances e peças de teatro — foi produzida em apenas dez anos, e
ele teve uma morte prematura, aos 43, internado em um manicômio.
Hoje ele é tido
como um dos maiores contistas de todos os tempos, e não escreveu apenas
histórias fantásticas. Tanto que um de seus maiores sucessos é o conto Bola de
Sebo, que eu tenho certeza que inspirou Chico Buarque a escrever a canção Geni
e o Zepelin. Ok, mas hoje estamos aqui para falar de histórias de terror, e
mais especificamente as deste livro de bolso, facilmente encontrado nas lojas.
Conforme o título
destaca, a obra inclui O Horla, um dos textos mais celebrados da literatura
fantástica mundial. E aqui constam as duas versões escritas por Maupassant: a
primeira, linear, em que o caso é narrado posteriormente; e a segunda (e
superior), em que acompanhamos o diário do protagonista e nos mantemos muito
mais próximos dos fatos — o que aumenta o tom de urgência da trama, mostrando
de perto a descida rumo à insanidade de um homem que se acredita vampirizado
por uma criatura invisível que teria chegado a bordo de um navio brasileiro.
Além de toda a
sofisticação da linguagem de Maupassant, este conto é um clássico porque,
exatamente 10 anos antes do lançamento de Drácula, apresentou um monstro
terrível, que tem a assustadora vantagem de nunca se mostrar para a vítima.
Imagine ter sua casa invadida por uma entidade maléfica que não é um espírito,
mas algo tangível, e que te atormenta de modo que você vai enlouquecendo e não
consegue ter certeza se aquilo é real ou alucinação. Pelas minhas pesquisas,
descobri que o conto é citado como inspiração para O Chamado de Cthulhu, de
H.P. Lovecraft.
Mas nem só de
horlas vivem os contos fantásticos de Maupassant. Na coletânea há ainda muita
coisa boa, e quase tudo gira em torno dessa atmosfera de dúvida que ronda os
personagens e o leitor: afinal, aquilo aconteceu ou foi tudo um mal entendido?
Por exemplo, em histórias como O Lobo e Aparição, os relatos tanto podem ser
interpretados como de fatos sobrenaturais, como de uma espécie de alucinação
momentânea causada pelo medo.
A Mãe dos Monstros
já é uma história com aquele terror real, sobre uma mulher que vive de deformar
os filhos no próprio ventre, para criar aberrações e vendê-las a circos. Esta
talvez seja uma das mais interessante do livro, que também traz, ainda que
apenas sugestivamente, mortos saindo das covas (A Morta) e extraterrestres (O
Homem de Marte).
Os contos
fantásticos de Guy de Maupassant obviamente não contêm cenas sangrentas de
demônios arrancando as vísceras das vítimas e coisas do tipo. Trata-se de
literatura de classe, de alta qualidade, que pode até não ter nada de
sobrenatural conforme a interpretação do leitor, mas que fará até mesmo o mais
cético ficar em dúvida e (por que não?), sentir calafrios pela espinha.
Li esse livro quando estava no ensino médio e depois redescobri na biblioteca da universidade onde estudo.
ResponderExcluirO conto principal é incrível e a forma com que ele estruturou essa história é simplesmente genial. A cena do espelho ainda me arrepia só de lembrar...
Gostei do blog, ganhastes mais um leitor.