A noite estava
escura, e o oficial de justiça trouxe um prisioneiro com as mãos atadas. O acusado era um
homem de barba e longos cabelos com cor de amêndoa, cujos olhos não exprimiam
medo ou revolta, mesmo diante do que estava para lhe acontecer.
O sacerdote o viu
com aquelas vestes simples, e duvidou ainda mais da sua capacidade.
-Que mentiras tens contado
a esse povo que te segue?
O prisioneiro
educadamente lhe respondeu:
-Tenho falado
abertamente ao mundo. Nada falei ocultamente.
E após uma pausa,
que coincidiu com o silêncio de todos no recinto, continuou:
-Por que me
interrogas? Pergunta aos meus ouvintes o que lhes falei. Eles sabem o que eu
disse.
E o oficial, por
achar que tais palavras eram ofensivas, abriu a mão e desferiu uma bofetada na
face do prisioneiro.
-É assim que
respondes ao sumo sacerdote?
O homem cambaleou
com o golpe, mas não foi ao chão. Ao firmar-se em pé, olhou para aquele que o
agredira e, com uma ingenuidade quase infantil, interrogou-lhe:
-Se eu proferi
alguma ofensa, explica-me onde ela está. E se não falei nada de mal, por que me
bateste?
O oficial de
justiça, que até então não havia dirigido qualquer palavra ao prisioneiro, procurou
dentro de si alguma resposta. Os olhos do acusado não o acusavam. Apenas o
faziam pensar. Qual a razão de esbofetear alguém que não podia defender-se? E
afinal, ele realmente havia faltado com o respeito ao sacerdote?
Os olhos daquele
pobre homem amarrado eram doces, serenos, irrepreensíveis, e pareciam
conhecê-lo profundamente. Tentando obter dentro de si uma resposta para o que
tinha feito, o oficial viu-se subitamente afastado daquela situação. Seus
pensamentos o transportaram para um lugar maior, mais iluminado. Achava-se agora
em circunstâncias diferentes. Era ele próprio quem se encontrava na posição de
prisioneiro em um interrogatório, e ali não havia sacerdote. Estava por conta
própria, mas não manietado. Suas mãos estavam soltas, ainda que estivesse sem
sua lança.
-E então? –
perguntou-lhe o homem sentado no trono. –Já pensou na resposta?
Quem estava lhe
interrogando era o prisioneiro. Ele continuava com as mesmas vestimentas, mas
agora encontrava-se livre, iluminado e majestoso.
O oficial reparou bem
nos seus olhos e, ao vê-lo em uma pose tão diferente daquela em que ele se
encontrava alguns momentos atrás, sentiu-se envergonhado.
Ainda não havia
conseguido pensar em uma boa resposta para dar ao homem, sobre o que ele havia
dito de mal e a razão de tê-lo machucado tão covardemente.
De súbito,
sentiu-se tocado por um sentimento cuja melhor definição seria “humildade”, e
teve o ímpeto de ajoelhar-se diante do homem, ao passo que quentes lágrimas
inundaram-lhe rosto.
-Eu não sei, meu
senhor! Eu não sei por que fiz aquilo! Perdoa-me...
E irrompeu em um
pranto intenso ao sentir o toque de mãos indulgentes sobre sua cabeça.
-Está perdoado, meu
amigo.
Então ele abriu os olhos,
e percebeu que ainda estavam todos lá, diante do prisioneiro com as mãos
amarradas. O sacerdote olhava para o oficial com desconfiança, como se
perguntasse a razão de ainda estar ali parado, sem obedecer à sua ordem.
-Está esperando o
que? Leve este miserável daqui!
Ainda aturdido pela
alucinação momentânea, o oficial de justiça desculpou-se com seu superior e empurrou
o prisioneiro para fora da sala, consciente de que estava ajudando a promover um
ato condenável, mas sem ter a menor coragem de lutar contra isso.
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