segunda-feira, junho 17, 2013

A Outra Face (L.F.Riesemberg)



A noite estava escura, e o oficial de justiça trouxe um prisioneiro com as mãos atadas. O acusado era um homem de barba e longos cabelos com cor de amêndoa, cujos olhos não exprimiam medo ou revolta, mesmo diante do que estava para lhe acontecer.
O sacerdote o viu com aquelas vestes simples, e duvidou ainda mais da sua capacidade.
-Que mentiras tens contado a esse povo que te segue?
O prisioneiro educadamente lhe respondeu:
-Tenho falado abertamente ao mundo. Nada falei ocultamente.
E após uma pausa, que coincidiu com o silêncio de todos no recinto, continuou:
-Por que me interrogas? Pergunta aos meus ouvintes o que lhes falei. Eles sabem o que eu disse.
E o oficial, por achar que tais palavras eram ofensivas, abriu a mão e desferiu uma bofetada na face do prisioneiro.
-É assim que respondes ao sumo sacerdote?
O homem cambaleou com o golpe, mas não foi ao chão. Ao firmar-se em pé, olhou para aquele que o agredira e, com uma ingenuidade quase infantil, interrogou-lhe:
-Se eu proferi alguma ofensa, explica-me onde ela está. E se não falei nada de mal, por que me bateste?
O oficial de justiça, que até então não havia dirigido qualquer palavra ao prisioneiro, procurou dentro de si alguma resposta. Os olhos do acusado não o acusavam. Apenas o faziam pensar. Qual a razão de esbofetear alguém que não podia defender-se? E afinal, ele realmente havia faltado com o respeito ao sacerdote?
Os olhos daquele pobre homem amarrado eram doces, serenos, irrepreensíveis, e pareciam conhecê-lo profundamente. Tentando obter dentro de si uma resposta para o que tinha feito, o oficial viu-se subitamente afastado daquela situação. Seus pensamentos o transportaram para um lugar maior, mais iluminado. Achava-se agora em circunstâncias diferentes. Era ele próprio quem se encontrava na posição de prisioneiro em um interrogatório, e ali não havia sacerdote. Estava por conta própria, mas não manietado. Suas mãos estavam soltas, ainda que estivesse sem sua lança.
-E então? – perguntou-lhe o homem sentado no trono. –Já pensou na resposta?
Quem estava lhe interrogando era o prisioneiro. Ele continuava com as mesmas vestimentas, mas agora encontrava-se livre, iluminado e majestoso.
O oficial reparou bem nos seus olhos e, ao vê-lo em uma pose tão diferente daquela em que ele se encontrava alguns momentos atrás, sentiu-se envergonhado.
Ainda não havia conseguido pensar em uma boa resposta para dar ao homem, sobre o que ele havia dito de mal e a razão de tê-lo machucado tão covardemente.
De súbito, sentiu-se tocado por um sentimento cuja melhor definição seria “humildade”, e teve o ímpeto de ajoelhar-se diante do homem, ao passo que quentes lágrimas inundaram-lhe rosto.
-Eu não sei, meu senhor! Eu não sei por que fiz aquilo! Perdoa-me...
E irrompeu em um pranto intenso ao sentir o toque de mãos indulgentes sobre sua cabeça.
-Está perdoado, meu amigo.
Então ele abriu os olhos, e percebeu que ainda estavam todos lá, diante do prisioneiro com as mãos amarradas. O sacerdote olhava para o oficial com desconfiança, como se perguntasse a razão de ainda estar ali parado, sem obedecer à sua ordem.
-Está esperando o que? Leve este miserável daqui!
Ainda aturdido pela alucinação momentânea, o oficial de justiça desculpou-se com seu superior e empurrou o prisioneiro para fora da sala, consciente de que estava ajudando a promover um ato condenável, mas sem ter a menor coragem de lutar contra isso.

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