quarta-feira, junho 10, 2015

Ponto Final (L.F.Riesemberg)





Agarrada ao volante do conversível, Miss Miller concluiu que sua vida estava um tédio. Havia passado a tarde toda na ginástica, e não sabia o que fazer no resto do dia. “Talvez eu fique na piscina”, pensou.

Tudo mudou quando, distraída, passou sobre um buraco na pista e perdeu a direção. “Droga! Só me faltava essa”, esbravejou logo depois, ao perceber que o motor não ligava.

Quando foi chamar ajuda, o telefone não estava na bolsa.

-Meu Deus, me ajude! – disse, percebendo que aquele lugar não era seguro.

Um grupo de jovens negros – e mal vestidos, no julgamento dela – estava se aproximando, o que a obrigou a se afastar do carro.

Quando se sentiu segura, procurou a carteira dentro da bolsa.

-Não é possível! – disse, ao descobrir que ali só havia umas moedas e nenhum cartão de crédito.

Um rapaz humilde, que ia passando pela calçada, notou seu nervosismo e ofereceu ajuda.

-Fique longe de mim! – disse ela, afastando-se.

Andou até uma parada de táxi, onde esperou.

-Esse ponto não funciona mais! – gritou uma velha que passava com um carrinho de latas vazias.

-E como saio daqui?

-Só passa um ônibus, moça. É por ali, ó.

Ela caminhou até o ponto, escondendo-se atrás dos óculos escuros e tampando o nariz. “Pelo menos tenho o suficiente para a passagem”, pensou, ao entrar no coletivo.

Passando a roleta, precisou equilibrar-se para não cair com o movimento do veículo. Em pé, recebeu cotoveladas no empurra-empurra do ônibus lotado, e o odor dos trabalhadores voltando para casa lhe embrulhou o estômago.

Uma criança vestida em trajes simples lhe estendeu a mão.

-Eu não tenho dinheiro, moleque.

-Mas eu só queria te cumprimentar! – disse o garotinho.

Apesar do olhar reprovador da mãe do menino, Miss Miller fez-se de surda.

Com o canto dos olhos, ela reparou que um corpulento rapaz negro a encarava no meio dos passageiros.

“Quanto tempo até sair desse maldito inferno?”, pensou.

Depois de muito percorrer ruas sujas e decadentes, o ônibus parou e todos começaram a desembarcar. “Ponto final!”, gritou o motorista, fazendo com que ela também descesse.

Na rua, o homem que a estava encarando esticou a mão e a tocou no ombro.

-Meu Deus, como eu queria estar em casa - ela resmungou.

-Se quiser, pode vir para a minha – falou o sujeito.

Ela se virou, assustada.

-Olha para lá! – ele disse, apontando o dedo.

Miss Miller teve um choque. Estava novamente no local onde havia deixado o carro. O ônibus tinha percorrido um grande círculo.

-O que você quer de mim? – disse ela, reparando que o rapaz era um dos mesmos que tentaram se aproximar depois do acidente.

-Que olhe direito.

Ela olhou mais uma vez para seu veículo parado e viu uma pessoa lá dentro.

-Minha nossa!

Era ela mesma. O rosto enterrado no volante.

-Não tenha medo, moça. Agora você pertence a este lugar.

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