Eu estava no primeiro ano da faculdade e morando sozinho na
capital, depois de uma vida toda na cidadezinha onde nasci. Gozando as
vantagens da juventude e da invigilância, adentrei o apartamento de mãos dadas
com uma jovem. Era a primeira vez que eu ficava sozinho com alguém.
Sentamo-nos no sofá e demos continuidade às carícias e
beijos. Lembrei-me que, apenas um ano atrás, eu nunca tinha feito nada disso.
Minha timidez me atrasou mais que a média para beijar alguém, mas agora tudo
parecia caminhar rápido para a primeira experiência mais íntima.
A jovem comigo era alguém que certamente não seria a
companhia de um dia só, dada minha tendência de loucas paixões em troca de tão
pouco. Seguíamos aproveitando as sensações, os toques, os suspiros, acanhados
em dar o próximo passo, quando fui subitamente interrompido por um ruído estridente
à minha direita.
Era o telefone, aquele agora incômodo aparelho que me
chamava, roubando a nossa sensual privacidade. Quem poderia ser? Quem fosse, estava
dando uma descarga elétrica no meio de um sonho agradável, desmanchando a mesa lindamente
posta para o doce banquete.
Afastei as mãos e a boca do corpo ao meu lado, na esperança
de que a perda daquele calor fosse apenas momentânea, e me dediquei ao
irritante chamado.
“Alô”, atendi, apático.
“Quem?”, uma voz feminina, que não reconheci de imediato.
Falei meu nome.
“Oi. Aqui é a G...”.
Naquele momento, uma ferida se abriu no meu peito. Uma chaga
vermelho-fogo, queimando como ácido, destruiu meu coração e se espalhou para
meus pulmões, boca e todo o resto.
Não era possível. Depois de tanto tempo, ela me ligando.
Lembrei de todas as vezes em que aguardei, ingênua e romanticamente, uma ligação
dela assim, no meio da tarde. Quantas vezes digitei seu número e não tive
coragem de completar a chamada, sem saber o que falar.
Era ela. A musa das minhas dores. A fada da minha solidão.
Aquela que me notou quando ninguém mais o fez. Meu primeiro beijo. Um ano atrás
ela tinha feito aquela cidadezinha vazia e gelada virar minha Valência no alto verão.
Recordei nossas primeiras conversas. Do amor nascendo pelos
seus longos e lisos cabelos dourados. Da vergonha de perguntar se éramos mesmo
namorados, ou se eu só estava delirando. Até hoje não sei o que éramos, mas sei
muito bem o que ela significou para mim.
Com ela ali, do outro lado da linha, a boca colada em meu
ouvido, as memórias me abraçavam. Mas também me sacudiam, me cortavam, e passei
a sentir tudo aquilo novamente: a paixão, a paralisia, a dor de não conseguir dizer
nada tendo tanto para falar...
E, ainda mais, logo no dia em que eu estava com outro alguém? Por que esta ironia?
Fiquei mudo. Ou melhor, balbuciei um glacial “oi”, sem
conseguir mais nada, esperando, esperando... O que ela poderia querer? Mesmo
quando eu ainda estava morando na cidadezinha, ela não me procurava mais. Por
que estaria ligando agora que me mudei? O que teria ocasionado uma chamada
interurbana, no horário mais caro, para falar comigo?
Depois do que me pareceu ser um século, ela disse:
“Só liguei para dizer que estou indo embora e queria me
despedir. Vou morar em...”
E falou o nome da cidade, que era muito, muito mais distante
do que aonde eu havia chegado.
Achei que a dor não podia aumentar, mas aquilo só piorava.
Eu não suportava mais. Por que tinha que ser assim? Minha vontade era perguntar
“Por que?”. Dizer: “Não vá!”. Fazer uma
elegia, um poema épico de seiscentas estrofes sobre a minha interminável paixão
e o pavor de perdê-la para sempre.
Ao menos um pedido para que me ligasse de lá, que me escrevesse
cartas, ou um simples “se cuide”, “seja feliz”...
Mas nada pôde sair da minha boca naquele momento. Ficou tudo
preso no meu peito.
Mesmo pelo telefone notei ela murchando, e o mesmo comigo. Dei
apenas um “tchau”, frio e distante como eu era antes dela, e desliguei. Me
senti como um ser pré-histórico se isolando dentro de uma caverna após ter
matado o irmão por um pedaço de carne.
Suspiro... Uma tragada num cigarro imaginário.
Agora eu tinha que lidar com a explicação naquele sofá. Falaria
a verdade para a pálida substituta que me acompanhava? Mas como falar sobre uma
entidade mítica que não se pode falar em idiomas comuns?
Não sei por que fiz isso. Falei não a verdade, mas uma
verdade: “Era minha ex. Ligou para dizer que vai embora, para bem longe...”.
Garanti assim o retorno à embriaguez do prazer, com beijos e
carícias, cerrando a cortina daquela peça teatral agridoce - ao menos para a
plateia.
O telefonema deve ter durado apenas alguns breves segundos,
mas na verdade ainda não terminou. Passaram-se trinta anos, e ainda estou lá, naquele
sofá, petrificado, com todas as declarações, sonetos e elegias entalados em
minha garganta.

Nenhum comentário:
Postar um comentário