Recentemente,
saturado dos tolos lançamentos no cinema, reparei um equívoco que há muito me
incomodava e conferi It Follows, gema de 2014, rebatizada por estas bandas como
A Corrente do Mal. E que agradável surpresa eu tive, pois tratava-se de verdadeira
obra de arte, que utilizava o gênero terror para retratar o fim da inocência e
a chegada à vida adulta.
Ótima
fotografia, trilha sonora atmosférica, clima onírico e excelentes atuações
podem não ser comuns nestas produções. Mas It Follows tinha tudo isso e ainda
conseguia atingir o seu objetivo inicial, que era o de ser um filme
profundamente assustador, apresentando-nos a um monstro que podia assumir
diferentes formas e perseguir suas vítimas de modo implacável, ainda que
lentamente, vencendo-as pelo cansaço emocional e psicológico.
Decidido
a escrever sobre a obra com todo o respeito que ela merecia, desejei entrevistar
o diretor David Robert Mitchell, e consegui seu contato através da Nothern
Lights, que produziu o filme. Não houve tanta dificuldade ou demora para tal
feito, visto que trata-se de um filme independente e de uma produtora de relativamente
poucos recursos.
Caprichei
na primeira mensagem que enviei diretamente ao correio eletrônico do cineasta,
elogiando suas decisões artísticas, principalmente os simbolismos nostálgicos
sobre a infância. Confessei que tais detalhes me fizeram lembrar dos contos de
Ray Bradbury, e esta foi minha melhor escolha de palavras, visto que o diretor
era, ele próprio, grande fã do escritor americano. Acho que foi neste ponto que
ganhei sua confiança, e ele me respondeu prontamente, agradecendo as palavras e
se dizendo disposto a me fornecer todos os dados que eu necessitasse para meu
artigo.
Naquele
momento teve início uma longa troca de mensagens eletrônicas entre nós dois,
que culminou em uma situação atípica e perturbadora. Este relato poderá soar
fantástico demais ou até ridículo, dependendo do leitor, mas afirmo que tudo o
que será lido é absolutamente legítimo, como poderá ser comprovado futuramente.
O
que se passou foi o seguinte. Creio que havíamos trocado sete ou oito mensagens
no decorrer de quatro dias, e Mitchell estava cada vez mais à vontade,
escrevendo e-mails mais longos e sinceros à medida que eu também me abria mais
e contava sobre o meu passado, principalmente minha adolescência. Eu já havia
notado que esse era um de seus temas de interesse, pois naquele meio tempo eu
aproveitei para conferir seu primeiro filme, The Myth of the American
Sleepover, que pouco difere de It Follows, apesar de ser um drama e não horror.
Àquela
altura ele escreveu algo que a princípio ignorei, achando tratar-se de um mal
entendido, principalmente devido ao meu Inglês não-nativo. Mas relendo sua
mensagem e pedindo para que ele esclarecesse melhor, pude confirmar que não era
um erro de interpretação. David Robert Mitchell afirmou, na verdade jurou, que
a história toda de It Follows era verídica. Aquilo havia acontecido consigo próprio,
retratado no filme como o personagem Jeff.
“O que? Você está brincando,
certo?”, perguntei, mas ele insistiu, dizendo que It Follows era baseado em sua
experiência pessoal, em todos os detalhes, sem qualquer tipo de simbolismo. Afirmava
que havia sido perseguido por uma assustadora criatura que lhe fora transmitida
através do sexo com uma desconhecida, e que a perseguição só terminou no dia em
que ele passou a maldição para outra jovem.
De
início imaginei ser piada, depois pensei tratar-se de um modo de promover o
filme, já que ele sabia que eu escreveria sobre o assunto. Porém, a sua demora
em falar a respeito daquilo e o fato da exibição ter ocorrido há tanto tempo me
desencorajaram de acreditar nesta versão. Mas o que ele ganharia inventando uma
história daquelas?
“Luiz,
eu não inventei aquilo. Tudo aconteceu realmente. Mas tudo bem, você não
precisa acreditar”, escreveu ele. Desculpei-me pela minha relutância, porém
tive que solicitar alguma confirmação. “Você quer uma prova, pois eu te darei uma, se
você realmente estiver interessado”. Depois disso, passamos alguns dias sem
correspondência. Não queria perder contato com aquele talentoso artista, que
provavelmente estava a um passo de sair da semi-obscuridade para ganhar o
mainstream e certamente Oscars, mas ao mesmo tempo eu começava a duvidar de sua sanidade, e ter um
pouco de medo. “Por que será que os gênios precisam ser tão excêntricos?”,
pensei.
Certa
noite, já envolvido com outro texto que uma revista me encomendara, fiz breve
pausa e, ao olhar pela janela, reparei naquela mulher à distância, caminhando
lentamente, como um zumbi, na direção de minha casa. Não pude deixar de me
arrepiar, diante de tudo o que havíamos conversado, o cineasta e eu, e
continuei olhando, cada vez mais pasmo, principalmente quando pude notar,
apesar da minha visão debilitada, que a mulher vinha totalmente nua, e ninguém
a notava.
“Ok,
deve ser uma brincadeira. O cara é bom!”, pensei. Mas é claro que um lado da
minha personalidade me mandava ficar apavorado, me dizendo que a maldição havia
passado para mim, e que aquela coisa, que no momento se apresentava como uma
mulher, caminharia até me pegar, e este seria o momento da minha morte.
No
filme, a vítima precisava sempre fugir, pois a coisa nunca deixava de segui-la.
Fiquei esperando a mulher nua andando até chegar à janela. De perto encarei-a, e pude
ver como seus olhos pareciam buracos negros, certamente ávidos por me devorar. Ao esbarrar
no vitrô, ela procurou algo no chão até encontrar uma pedra, e a atirou
violentamente, estilhaçando o vidro e abrindo passagem para pular a janela.
Fugi
de lá e fiz como recomendado no filme, indo para o local mais longe possível, e
com mais de uma saída. Mandei um e-mail para Mitchell, perguntando o que era
aquilo. Se ele quis me pregar uma peça, acabou abrindo um furo no próprio roteiro que
havia criado, pois eu nunca poderia pegar aquela maldição, visto que somente a
pessoa que se relacionou sexualmente com um amaldiçoado o poderia. A
resposta não tardou a chegar na minha caixa de e-mail: “Há mais coisas que não estão no filme,
que descobri mais tarde. Tudo o que você precisa saber está no roteiro de
It Follows 2, que estou escrevendo”.
Simples
assim. Não me disse mais nada. E eu, desde então, ando fugindo da coisa, que me
persegue a passos lentos, cada vez com um corpo diferente, e só é vista por
mim. Já contei para outras pessoas, mas é óbvio que ninguém acredita. Já pedi,
por favor, para Mitchell me dizer como foi que transmitiu a maldição para mim, e
como eu posso passá-la adiante. Mas ele não responde mais. Oh, não, ela já está aqui outra vez. Preciso sair daqui agora mesm...
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