Despertei
recentemente de mais um longo sono. Desta vez adormeci por setenta anos, o que
me revigorou totalmente. Eis um dos segredos da vida eterna!
Tornei-me o que sou
em 1626. Eu sonhava ser um grande ator, e fazia pequenos papéis num teatro
mambembe. Foi em uma viagem com a trupe que conheci um sujeito muito estranho
no interior da Inglaterra. Seu nome: Lee. Ele tinha um olhar sinistro e a voz
hipnótica. Naqueles dias eu era apenas um jovem romântico, e assim que eu soube
o que ele era, não resisti: implorei para que me tornasse igual a ele.
-Há outras formas
de ser imortal – ele disse, antes de cravar os dentes em meu pescoço.
Durante muito
tempo, não ouvi falar mais dele. Porém, acabei conhecendo outros de nós. Alguns
eram obcecados por descobrir nossa origem. Mas eu, sinceramente, nunca me
importei. Só sabia que Lee me fez assim, e nossos caminhos nunca mais se
cruzaram.
A cada vez que saio
de um descanso tão longo, preciso me adaptar à nova época. Ainda há pouco eu
estava sentado em um cemitério, contemplando o luar, e o vento trouxe um jornal
velho até os meus pés. Abri, para compreender melhor o mundo de hoje, e lá
estava uma foto dele! Mesmo após séculos, era impossível esquecer aquele rosto.
Corri os olhos pela
notícia, e vi seu nome: Christopher Lee. Ocupação: ator. Mas a reportagem era
sobre sua morte.
Durante todo o
tempo em que estive dormindo, ele estava trabalhando no cinema. E ironicamente,
havia ficado famoso interpretando vampiros!
Ri alto,
interessado na história daquele nobre amigo. Teria ele desistido da vida
eterna? Às vezes eu mesmo me perguntava se valia a pena viver para sempre. Será
que eu também não deveria voltar a ser aquele jovem romântico, e recuperar os
sonhos de outrora?
Enquanto eu pensava
essas coisas, ouvi passos logo atrás de mim. Meus sentidos são apurados e ninguém
se aproxima tanto sem que eu perceba. A não ser, é claro, que seja um de nós.
-E então, Manolo? Tens
aproveitado a imortalidade que tanto desejavas?
Aquela voz era inconfundível.
Não sei como me
achou, mas tivemos uma breve conversa, que não quero esquecer.
-Uma vez eu disse
que havia outras formas de se tornar imortal.
-Sim, Lee, eu
lembro. Mas estão dizendo que você morreu.
-Oh, não. Farei
apenas uma retirada, para um sono reparador.
-Entendi. Soube que
você virou ator. Como foi isso?
-Meu caro, de nada vale
existir, apenas. Por isso me dediquei a algo maior nesta vigília mais recente. Fiz
mais de duzentos filmes, entre outras coisas.
-E de onde veio
essa vocação para atuar?
-Simplesmente usei
minha vasta experiência e contei ao mundo tudo aquilo que antes eu ocultava sob
minha capa.
Fiquei olhando para
ele, admirado. Apesar de sereno, estava com a aparência de velho. Naturalmente
ele precisava de um longo sono para rejuvenescer - talvez em um seguro castelo
de uma terra distante.
-Vamos nos reencontrar?
– perguntei.
-Quem sabe? Quando
eu acordar, gostaria de saber que você também gravou o nome neste mundo. O
tempo voa, Manolo, e quando menos perceber, vai estar cansado e precisando
deitar novamente. Aproveite bem os seus dias!
E, subitamente, ele
se transformou em morcego e saiu batendo as asas, desaparecendo nas sombras da
noite.
Homenagem a
Christopher Lee (1922-2015)
Sensacional! Que homenagem! Adorei.
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