quarta-feira, outubro 28, 2009

Pais Novos


Querido Papai Noel. Sei que tenho sido um bom menino, e por isso estou pedindo um presente muito especial este ano: pais novos! Os meus não ligam pra mim e não me deixam fazer nada divertido. Por favor, se pudesse, eu queria ser irmão do Rafinha, assim os pais dele também seriam os meus. Ass: Pedro.
Com essa cartinha, endereçada ao bom velhinho que mora lá no Pólo Norte, o menino dirigiu-se à caixa postal mais próxima e depositou-a, esperançoso. Aguardaria com ansiedade as semanas seguintes para saber se teria o pedido atendido ou não.
Passados alguns dias, um envelope vermelho endereçado a Pedro era trazido pelo carteiro. O garoto abriu rapidamente e leu a resposta: Caro Pedrinho. Não é muito comum eu receber pedidos como o seu. Esse tipo de carta bem que poderia ser de um menino muito mau, que não dá valor à família. Porém, pelo que sei você é uma criança muito obediente, que vai direitinho à escola e que sempre come as verduras na hora do almoço, então eu estudarei o seu caso. Aguarde, e continue sendo bonzinho. Feliz Natal. Ass: Papai Noel.
O menino mal podia disfarçar seu contentamento. Escondeu a carta no quarto e voltou às atividades normais, esperando o presente.
Vivendo para o trabalho e acostumando o garoto com babás e professores particulares, os pais nem lembravam de fazer uma decoração para o Natal, que se aproximava. Mesmo assim, desde pequeno, Pedro fazia tudo o que eles queriam. Nunca deixou o quarto bagunçado, sempre fez o dever de casa e vivia recebendo elogios dos outros adultos, por ser uma criança exemplar. Um anjo, diziam. No entanto, o pai e a mãe achavam que este tipo de conduta era simplesmente uma obrigação do filho, e não lhe dirigiam uma única palavra carinhosa quando ele trazia para casa o boletim recheado de notas 10. Seu melhor amigo, chamado Rafael, ao contrário, ganhava presentes e aumento de mesada quando fazia alguma coisa boa. Nestas férias ia para Disney com os pais, e Pedro seria mandado para a fazenda dos primos enquanto os dele iam viajar pela Europa.
Pedro já havia tentado conversar com os pais, procurando explicar o que sentia, e tentando mudar aquela situação. Mas nada adiantava. Ele parecia ser uma criança invisível dentro de casa. Por isso, neste Natal, resolveu apelar ao Papai Noel, para que ganhasse um pai e uma mãe mais legais do que aqueles que tinha.
Quando ainda faltava uma semana para 25 de dezembro, para a surpresa de Pedro, foi entregue em sua casa uma grande caixa destinada a ele, com um cartão simples, escrito Feliz Natal, e a assinatura do Papai Noel. Ih, mas não cabem pais novos aqui dentro! — pensou o garoto.
Levou o pacote para a sala, onde o desembrulhou. Dentro da caixa, junto com muitas bolinhas de isopor, havia uma porção de quinquilharias de diversos tamanhos e cores. Pedro foi retirando uma por uma e logo deu-se conta do que eram: enfeites de Natal, incluindo as partes para montar uma árvore! Não era o que ele esperava, mas mesmo assim seus olhinhos brilharam. Pela primeira vez em anos ele teria isto em casa! E eram objetos artesanais, que o próprio menino reconheceu serem de muito requinte e bom gosto. Não resolveria seu problema, mas aquilo claramente agradaria seus pais, que poderiam até ficar com o coração mais mole ao verem tudo arrumado. Não teve dúvidas: pôs-se a decorar toda a sala, espalhando as peças pelos lugares mais interessantes. Pendurou as meias em cima da lareira, arrumou as velas em uma mesinha, fixou a guirlanda na porta e, como o toque final, arrumou a esplendorosa árvore, com multicoloridas bolinhas de metal, uma radiante estrela no alto, e um presépio ao chão. A sala estava perfeitamente natalina, ao menos na aparência. Quando os pais chegassem, o espírito do Natal haveria de falar mais alto e acender aquela chama, que há tanto tempo não aquecia o lar.
   Porém, como era de se esperar naquela família, os adultos mal perceberam a diferença no ambiente. Estavam ocupados com outros assuntos, e acharam que a decoração tinha sido coisa da babá. Simplesmente continuaram a falar suas coisas de gente grande. Pedro foi dormir especialmente magoado naquela noite, e chegou a decidir que não seria mais um bom filho.
Mais tarde, na sala, o perfeito presépio despertou de seu profundo estado de imobilidade. Os homenzinhos de trinta centímetros de altura alongaram-se, olharam ao redor e fizeram uma rodinha, passando a cochichar os planos.
Trancado no quarto, o menino ficou horas chorando, querendo gritar, querendo fugir. Por mais que tentasse, não era compreendido, e precisava achar um jeito de não enlouquecer. Foi quando ouviu uma batida na janela.
Papai Noel!, pensou.
Pedro mal podia conter seu contentamento quando pulou a janela e foi recebido pelo velhinho de barba branca e roupas vermelhas. Ficou mudo de espanto ao notar a presença do brilhante trenó, preso a seis enormes renas, estacionado em seu jardim. Pode embarcar, Pedro. Vamos escolher seu presente! Neste momento, os duendes, ainda vestidos como pequenos reis magos, saíam da casa arrastando o famoso saco vermelho, amarrado na ponta, contendo em seu interior algo que se contorcia e tentava gritar. O deixaram na parte de trás do veículo e depois voltaram para a casa, repetindo a operação, acumulando dois grandes volumes no trenó. Em seguida as criaturinhas subiram no veículo, e as renas passaram a correr, deixando para trás a lei da gravidade e alçando vôo por cima dos telhados. O trenó cortava o céu noturno e estrelado, para a alegria de Pedro, que ainda boquiaberto, não conseguia proferir uma única palavra. Este é o melhor passeio da minha vida!, pensava, com frio na barriga, enquanto olhava a cidade lá embaixo, cada vez menor.
  Em pouco tempo, o trenó aterrissava em uma planície no meio de uma floresta, que o menino sequer ouvira falar que existisse tão próximo a sua cidade. Todos desembarcaram. Papai Noel pegou Pedro pela mão e o levou rumo a uma caverna.
Lá dentro, luzes. Um luxuoso tapete vermelho estava estendido no chão. Em ambos os lados do corredor de pedra havia celas, sendo que em cada uma havia um casal de adultos aprisionado. Uns mais velhos, outros mais jovens. Brancos, negros, orientais. Todos pareceram sair de um estado de desespero quando viram o menino e o velhinho, e passaram a sorrir, como filhotes em uma gaiola, à espera de adoção.
Pode escolher!, disse Papai Noel.
Pedro deixou a caverna muito feliz, de mãos dadas com um pai e uma mãe novos, os três sorrindo, enquanto seus velhos pais eram jogados na cela que acabara de vagar.

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