Eles passavam por aquele prédio todos os dias, mas seus pensamentos fixos impediam de perceber os detalhes. Muitos nem sabiam qual era a cor da fachada, ou quantos andares tinha. Era apenas um prédio genérico, anônimo, como todos os outros que encontravam rapidamente pelo caminho. Suas vidas não dependiam daquele amontoado de tijolos e janelas, e portanto era como se ele não existisse.
Mas naquele dia, por um bom motivo, eles o notaram. A paisagem fora momentaneamente alterada, quase imperceptivelmente, mas de modo que suas atenções foram atraídas para lá. Um dos vidros, em uma janela do segundo andar, estava estilhaçado. Tal modificação tornou a paisagem mais interessante, pois agora havia ao menos algo a se pensar sobre aquilo. Mas era um interesse, todos eles sabiam, que duraria somente por alguns minutos, já que amanhã o vidro estaria intacto e o prédio voltaria a ser invisível como sempre foi.
No dia seguinte, quando passaram por lá, lembraram do vidro quebrado, e deram uma olhada para cima. Ele continuava quebrado. E, surpresa! A janela ao lado também estava, tornando o quadro ainda mais digno de observação.
No terceiro dia nenhum conserto havia sido providenciado. Ao contrário: o número de janelas quebradas subia para quatro. Aquilo já não era apenas uma paisagem. Aquele prédio já tinha uma história, mesmo para quem só passava alguns segundos diante dele.
No quarto dia, todas as janelas dos primeiros andares estavam destruídas.
Eu era um desses, que passava e via aquele prédio sendo devastado, e comecei a entender que, já que ninguém fazia nada para melhorar a sua aparência, era porque ele merecia estar assim. Olhei para o chão e havia uma pedra, e eu soube exatamente o que fazer. Atirei, com toda a força, na janela do terceiro andar, que era onde eu melhor alcançava. Ela se quebrou em pedaços e os cacos caíram a alguns passos de mim. Ninguém fez nada para me impedir. Acho que queriam estar no meu lugar, atirando aquela pedra nas outras janelas. E talvez o meu ato tenha inspirado outros, pois no quinto dia já não restava mais quase nenhum vidro intacto.
Tenho certeza de que, se no momento em que a primeira janela foi quebrada, o dono a tivesse consertado, hoje o prédio continuaria anônimo e invisível como sempre o foi. Mas ele está decrépito, com aparência de condenado, e é por isso que agora, quando dobramos a esquina, já vamos olhando pelo chão à procura de uma boa pedra.
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