quinta-feira, janeiro 31, 2013

A Luta do Século


            No interior do vestiário era possível ouvir os gritos da plateia.
            El Toro estava sentado sozinho em um longo banco de madeira, vestindo apenas os calções e as luvas de boxe, aguardando o chamado.
            O corpo magro e a pele branca condiziam com o físico de um pugilista peso mosca. 
            Os olhos negros miravam uma imensa caixa de madeira, lacrada, depositada à sua frente, entre halteres e aparelhos de ginástica.
            Alheio aos ruídos que chegavam ao ambiente e aos objetos que o cercavam, ele visualizava a luta que estava prestes a encarar. Pensava em seu oponente, que tinha cento e oito quilos de músculos, quase um metro e noventa de altura, e subiria ao ringue furioso, como uma fera, defendendo outra vez o título de campeão.
            “Será uma luta rápida e limpa”, pensou Toro. “Nocaute no primeiro ou segundo round”.
            Lá fora, naquele momento encerrava-se o penúltimo embate da noite. O perdedor era retirado da lona com muito sangue saindo do supercílio aberto. A multidão de espectadores dividia-se entre aplausos calorosos e uivos desaprovadores.
            Alguém bateu à porta e o trouxe de volta à realidade.
            — Sou eu, o Ramirez. Dez minutos para começar a luta.
            — Entre! — gritou o boxeador.
            Penetrou o recinto um senhor já de idade, porém em forma, usando boné, camiseta, calças de agasalho e uma toalha pendurada no ombro. Já foi perguntando:
            — Está pronto?
            Toro permanecia sentado, de frente para a caixa. O homem recém-chegado notou que, de dentro dela, vinha um zumbido e uma leve trepidação. Ele próprio respondeu a pergunta:
            — Não! Vejo que você não está pronto. Mexa-se! Já devia estar se aquecendo!
            Diante do tom de voz do impaciente treinador, o franzino pugilista girou sutilmente a cabeça e lhe apontou um olhar gélido. Estava com os braços apoiados nos joelhos, enfatizando o uso das luvas.
            — Droga, eu esqueci disso! — bradou Ramirez, enquanto a caixa de madeira começava a sacudir mais violentamente. — Mas temos que ser rápidos!
            O homem andou até o armário de metal e enfiou a mão por baixo de algumas peças de roupa que estavam guardadas. Em seguida retirou de lá uma barra de aço, que revelou-se um pé-de-cabra.
            Ramirez levantou a ferramenta, com as duas grandes mãos, na altura acima da sua cabeça, e com toda a            força enterrou a ponta do cabo na quina da caixa de madeira. Com um pouco de esforço foi arrancando os pregos e retirando a pesada tampa. Depois derrubou os cantos da caixa e seu conteúdo ficou exposto diante dos dois.
            Ali se encontrava agachado um terceiro homem, jovem, muito robusto e atlético, vestindo apenas cueca. Estava acorrentado pelas mãos, pés e tinha uma mordaça na boca. Apesar de seu porte assustador, estava amedrontado.
            — Eu não quero olhar. Vou ficar ali fora — disse Ramirez, e então deixou o recinto. Ao abrir a porta para sair, foi possível ouvir com clareza o narrador anunciando pelo microfone a entrada de Jake “The Tiger” Robinson,campeão mundial dos pesos-pesados, com trinta e duas lutas, trinta e duas vitórias, vinte e seis por nocaute, que vem defender o cinturão da categoria, conquistado em...”.
            E a porta se fechou.
            O esquálido lutador colocou-se de joelhos ao lado do refém. Este, como um animal capturado, arregalava os olhos, sem conseguir falar ou se movimentar.
            Toro farejou o sujeito, como um predador faria com uma presa. A saliva começou a abundar em sua boca. Em seguida fez os caninos pontiagudos crescerem, e os levou ao pescoço da desesperada vítima.
            O sangue inundou sua boca. Era denso, saboroso, salutar.
            Conforme absorvia o líquido vital, ia sentindo-se mais e mais forte. O corpo, de branco e raquítico começou a tornar-se corado e a assumir uma nova forma, mais rígida, mais torneada, máscula. As veias dos braços foram saltando, e toda a sua estrutura muscular foi sendo progressivamente mais tonificada, ao passo que o homem vampirizado ia minguando e perdendo a cor.
            Toro bebeu até sentir que estava com o corpo inchado de músculos reluzentes. Depois largou a carcaça do alimento e saiu do vestiário, passando por Ramirez.
            — Limpe a sujeira — disse o vampiro. — Depois vá ao ringue.
            — Tudo bem.
             Lá fora, o narrador das lutas anunciava pelos alto-falantes o desafiante da noite.
            “Com apenas quatro lutas, mas quatro vitórias, todas por nocaute... apresento ele: a mais nova revelação do mundo do boxe: o destemido... o perigoso... El Toro!”.
            O pugilista atravessou com rapidez um corredor pelo meio do público e subiu a escada até o ringue, entre muita gritaria.
            No centro do imenso ginásio lotado, o atual campeão o esperava, grande e frio como um iceberg.
            Os dois adversários encararam-se a uma distância de um palmo, sem que piscassem os olhos, enquanto centenas de flashes fotográficos eram disparados pela ensurdecedora plateia. Pareciam dois tanques de guerra apontando um ao outro.
            “Aproveite esse momento, boxeador”, pensou Toro. “É sua última luta!".
              E o gongo anunciou o primeiro round.

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