sexta-feira, junho 14, 2013

O happy hour de Charles Bitter (L.F.Riesemberg)


Sem qualquer demonstração de simpatia, o garçom colocou o copo sobre a mesa. Charles não gostou nada desta atitude, pois sempre deu a ele boas gorjetas. "Deve estar com algum problema", pensou. "De qualquer forma, ele não pode trazer seus assuntos pessoais para dentro do pub onde trabalha".

-A conta, por favor!

O garçom não trouxe. Quem veio à mesa foi o gerente. "Deve ter vindo se desculpar pelo funcionário", concluiu Charles. Mas o gerente também não estava com uma cara de muitos amigos.

-O senhor por favor retire-se, e nunca mais volte aqui.

-Como é? O que é isso? Alguma piada?

O gerente apertava tanto os punhos que lhe fazia saltar as veias dos braços.

-Nunca mais volte, senhor, ou chamarei a polícia.

Charles ia argumentar, mas os outros clientes já estavam interessados na cena, e ele achou melhor não chamar mais atenção.

-Você deve estar me confundindo, meu camarada. Eu sempre venho aqui às sextas, depois do trabalho. Há exatamente uma semana eu vim, sentei neste mesmo lugar, conversei com você. Por que estão me tratando assim?

-Fique longe do meu estabelecimento!

Extremamente ofendido, Charles deixou uma nota sobre a mesa e achou conveniente sair, sem dizer mais nada.

A noite estava fria lá fora, e ele teve que abotoar o casaco. Na esquina, um cego pedia esmolas.

-Por favor, uma ajudinha! - disse o pobre, estendendo a mão. 

Charles começou a procurar trocados nos bolsos da calça.

-Muito bem, deixe-me ver quanto tenho aqui. Achei! Passe bem, amigo.

O cego recebeu as moedas, mas não agradeceu. Ficou pálido, ofegante, com os olhos brancos se movendo de um lado para o outro.

-Essa voz... é você, seu desgraçado?

E furiosamente atirou as moedas na direção de Charles, que precisou proteger-se. 

-O que é isso? Eu quis te ajudar e é assim que me agradece?

Ele distanciou-se a largos passos daquela rua, continuando a ouvir de longe os xingamentos do cego.

"Estão todos loucos!", pensou. Tinha que achar logo um táxi para sair daquela região.
A rua estava deserta, a não ser por uma prostituta que, encostada em um poste, aguardava o próximo cliente.

-Que tal um programa hoje, moço?

-Não, obrigado - disse Charles ao passar, sem encará-la.

Mas ela o reconheceu.

-Charlie Bitter? Você por aqui? Quem diria!

Ele estalou os olhos. Nunca havia visto aquela mulher em toda a sua vida.

-Como sabe meu nome? Quem é você?

-Ah, qual é? Olha só, teu filme tá queimado, Charlie. Se eu fosse você, sumia por uns tempos.

-O que você está dizendo, garota? 

Uma terceira pessoa saiu do meio das sombras e aproximou-se. Era o cafetão.

-Ei, cara, que conversa mole é essa? Se quiser alguma coisa, vai ter que pagar...

Charles, envergonhado e irritado, ainda pensou em se desculpar, mas aquele sujeito abominável não merecia tanto, então simplesmente afastou-se e o deixou falando sozinho.

 "Por que não tem um táxi por aqui, hein?", era  que pensava.

Mas quando ainda estava a vinte passos de distância, ouviu o cafetão gritar às suas costas:

-Ei, seu desgraçado! Vou acabar com você, Charlie Bitter. É um homem morto!

Charles correu como um louco quando escutou um tiro em sua direção.

-Eu não sou quem você pensa! - gritou em desespero.

Atravessou correndo a praça, sempre ouvindo as maldições do bandido que não desistia de persegui-lo, até notar uma viatura passar com as luzes piscando.

-Polícia! Socorro!

Ele gritava com toda a força dos pulmões, até que conseguiu atrair a atenção dos policiais. Eles desceram do carro e o acudiram.

-O que aconteceu, senhor? Foi assaltado?

Charles mal conseguia falar. O coração estava acelerado.

-Um homem. Armado. Tiros! - foi só o que saiu da sua boca.

-Por favor, mostre-nos seus documentos, senhor.

Charles conseguiu puxar a carteira e a entregou ao oficial, enquanto tentava retomar o fôlego.

-Bitter? Seu nome é Charles Bitter?

Ele confirmou acenando com a cabeça.

-O senhor tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal.

Pela janela da viatura ele viu apenas um homem andando na rua. Ele usava roupas idênticas às suas, e um rosto idêntico ao seu.   

9 comentários:

  1. Obrigado, Bruno! Seja bem vindo para sempre ler e comentar os textos! Abraços!

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  2. Roseli Ferreiraabril 19, 2015 9:39 AM

    Fantástico mesmo! Parabéns!

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  3. Olá Riesemberg, eu preciso desenhar uma história em quadrinhos situada em Belém pra minha aula de desenho, n vai ser publicada nem nada é só exercício, e como eu sou mto ruim em roteiro kkk eu estava procurando contos q eu podesse usar como referência ou como ele mesmo, e eu achei o happy hour perfeito e fica bem quando ambientado em Belém, bom, mas primeiro eu gostaria da sua permissão para usar esse conto, meu professor sugeriu mudar o nome pra ficar mais Brasileiro. E aí, o que você acha? teria algum problema? (Estou como anônima pq n tenho umas dessas contas do comment)

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  4. Olá, anônima que pediu autorização para desenhar meu conto. Está autorizada, desde que compartilhe comigo o resultado.
    Abraço

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  5. Este conto se situaria perfeitamente dentro de um universo fantástico como o de Black Mirror ou o de The Twilight Zone.
    Que imaginação abençoada, Risemberg! Conheci o blog há uns dias atrás e desde então estou viciada. Obrigada por compartilhar conosco suas criações tão incríveis!

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  6. Isso é um texto ou um conto fantástico

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