sábado, janeiro 14, 2012

O Botão (L.F. Riesemberg)

Dizem que são cinco coisas em nossa vida que já estão traçadas pelo Destino: o berço, a profissão, a pessoa com quem casamos e a hora e a forma de nossa morte.
    Ela já tinha passado pelos três primeiros, e achava que todos tinham sido de extremo mau gosto do tal Destino. Pensava nisso enquanto assistia novela, ao lado do marido que roncava no sofá. No quarto, as crianças choravam, mas o pranto era abafado pela porta fechada.
    —Toc, toc, toc.
    Não tirou os olhos da TV sequer para pensar em abrir a porta, limitando-se a roçar o pé no marido para que este o fizesse.
    —Toc, toc, toc, toc.
     Como as batidas persistiram, e o ronco não cessava, obrigou-se a levantar e atender o insistente visitante noturno. “Mas que não seja a cobrança do aluguel”, pensou, lembrando que já havia avisado que atrasaria o pagamento deste mês. 
     Ao abrir a porta, deu com um estranho cavalheiro de chapéu e terno preto, carregando uma maleta em cada mão.
— Senhora...? , chamou-a pelo nome completo. Desculpe a intromissão neste horário, mas venho com uma proposta. Permita-me apresentá-la e em alguns minutos já terei ido embora.
     Ela olhou para o marido deitado no sofá, que naquele momento não roncava mais, apesar de estar claramente dormindo, e algo momentâneo não a deixou pensar em resistir à entrada do homem. Não lhe veio à cabeça que poderia ser assunto importuno, como venda de seguros. Convidou-o e sentaram-se à mesa.
     Ele colocou as duas maletas sobre a toalha, entre farelos de pão e os pratos sujos do jantar, e logo as abriu, de modo que o conteúdo ficou visível à mulher. Uma das malas tinha muitas notas de dólares. A outra possuía curioso mecanismo com dois botões: um preto e um branco.
    Sem entender o que estava acontecendo, tentou balbuciar alguma frase, mas logo foi interrompida pelo visitante.
    —Sei que a senhora tem encontrado dificuldades financeiras. Seus sonhos não estão de acordo com o momento que está vivendo, não é mesmo?
    Ele falava sem desviar o olhar dos olhos dela, mas quando terminou a última frase, observou de relance os cantos do apartamento bagunçado, com roupas para passar em cima de uma cadeira, o carpete rasgado e as manchas de bolor pelas paredes. Ela sentiu-se embaraçada em responder.
     —Eu vim oferecer uma chance de mudar tudo isso.
    Ela ficara impressionada com tudo: com o que ouvia, com as malas sobre a mesa e, principalmente, com as notas de dinheiro. Ainda sem saber o que falar, continuou muda.
    — Considere como um presente que está recebendo do Destino. A senhora não gostaria de passar as noites em um cruzeiro luxuoso? De morar em um hotel cinco estrelas? Ou talvez viver muitos anos com saúde plena? Pois esta é a sua chance de escolher. Aperte o botão preto, e poderá ficar com a outra maleta e todo o seu conteúdo, de cem mil dólares. Ou então você pode apertar o botão branco e o destino se encarregará de não deixar que nada de mal te aconteça, ou à sua família, e só o peso da idade poderá lhes tirar a vida. A opção é sua.
    Enquanto ele falava, um incomum silêncio penetrou na sala. Nada de roncos do marido, nem choro das crianças. Até a TV estava silenciosa. E a cidade lá fora, antes barulhenta, pareceu acalmar-se.
    O homem já foi levantando, ao mesmo tempo em que fechava a pasta com o dinheiro, e se dirigiu com ela à porta. A outra maleta, a dos botões, ficou sobre a mesa.
—Passarei aqui em uma semana, caso não tenha decidido. Então oferecerei a proposta a outro. Se apertar um dos botões, eu saberei. Tenha uma boa noite.
    E saiu do apartamento, deixando a mulher estática, sem que tivesse pronunciado uma palavra sequer enquanto o homem estava em sua casa. Assim que a porta bateu, aquele imperioso silêncio, que havia reinado durante alguns minutos, chegou ao fim, com a volta do ronco no sofá, da gritaria das crianças no quarto, do comercial da televisão e das buzinas lá fora.
    Naquela noite, não conseguiu dormir. Tinha escondido a maleta nos fundos do armário, e não sabia se comentava o estranho caso com o marido. O que ele pensaria? Ficaria desconfiado da bondade alheia e iria querer saber a todo custo quem era aquele estranho homem que aparecia assim, do nada.

    Pela manhã, quando finalmente ficou sozinha depois que o marido saiu procurar emprego e os filhos estavam na creche, ela decidiu olhar com mais atenção o estranho objeto que lhe fora entregue.
    A mala tinha uma fechadura estranha, mas que abriu com o simples toque de seus dedos. Dentro, um simples mecanismo com dois botões: um preto na esquerda, e um branco na direita. Na TV sempre havia reportagens sobre ataques terroristas do outro lado do mundo, com um carro que explodia, ou gás venenoso espalhado dentro do metrô. E se fosse isso? Seria ela a culpada pela morte de alguém? Nem queria pensar nisso. Era muito melhor pensar no que fazer com todo aquele dinheiro que receberia.
    Os dias e as noites foram passando, e seus pensamentos continuavam cada vez mais confusos. Não tinha coragem de contar para ninguém sobre o que estava passando. Talvez fosse apenas uma brincadeira de alguém, ou então algo muito sério e perigoso com que tinha se envolvido. Sempre que estava longe dos olhos do resto da família, abria a maleta e ficava contemplando seu conteúdo.     Algo lhe dizia que perderia muito em ir à polícia ou ignorar aquele homem, simplesmente devolvendo a pasta quando ele viesse buscar. Afinal ela vira o dinheiro com os próprios olhos. Mas, ao mesmo tempo, uma terrível angústia fazia com que surgisse uma dor nas costas, que subia até o crânio e não a deixava pensar em outra coisa senão no quanto era estranho alguém receber uma visita daquelas.     Como o homem sabia seu nome? De onde ele vinha? Se ao menos tivesse deixado um cartão, mas nem isso! O que mesmo ela precisava decidir? Apertar o botão preto e ficar com 100 mil doletas ou escolher o branco e ter saúde para sempre? Não era bem isso que ele havia dito, era? “Deus! Isso é ridículo!”, pensava. Mas se ao menos fosse possível ignorar o que havia acontecido...
    Certa tarde, depois de ter buscado pão e leite na esquina, ela entrou no apartamento e deu com a maleta – que estivera bem escondida por dias – em cima do sofá. O marido voltava do banheiro com uma chave de fenda, dizendo:
    — O que é essa mala que encontrei? Não quer abrir. É sua?
    Assustada com a possibilidade de algum botão ter sido apertado, aliviou-se ao ver que ainda estava fechada. Mais uma vez, simplesmente ao tocar na fechadura, a trava misteriosamente se abriu, como que por mágica, para espanto do homem.
    Os dois ficaram contemplando os botões, que pareciam cada vez mais sinistros para a mulher, e esta acabou contando o inexplicável ao marido. Talvez ele a ajudasse a tomar uma decisão, agora que só faltavam dois dias para o homem reaparecer.
    —Medo do que? Que estoure alguma bomba aqui perto? Impossível, querida. Este mecanismo não é um detonador nem aqui, nem na China. Vai por mim – dizia o marido, que chegou a incentivar a apertar os dois ao mesmo tempo.
    Ainda em dúvida, ela resolveu ir dormir. Deixaria a decisão para o último dia – para o bem ou para o mal.

    Na manhã seguinte, bem cedo, o marido acordou e não encontrou a esposa na cama. Levantou e foi achá-la deitada no sofá, com a cabeça pendendo para o lado. A mala jazia aberta sobre as pernas dela. Correu ver o que havia acontecido, e notou que a mulher estava acordando. Ela abriu os olhos, olhou dentro dos dele e disse: “Eu apertei”.
    —Qual deles? — perguntou o homem.
    E ela:
    —O preto.
    Quase ao mesmo tempo, durante os segundos macabramente silenciosos que se seguiram, alguém bateu à porta.
    —Eu abro – ele disse.
    —Espera! Foi muito estranho – a mulher começou. —Assim que eu apertei o botão, no meio da noite, a luz do prédio acabou. Não voltou até agora!
    Os algarismos no rádio relógio haviam parado no horário 4:26.
    —Toc, toc...
    A porta foi aberta pelo marido, que deparou-se pela primeira vez com o homem de chapéu preto, com uma maleta na mão. O sujeito ficou parado na soleira, esperando ser convidado, até que recebeu a permissão para adentrar.
    Sentou-se.
    —Parabéns pela escolha, madame! – disse, mirando-a. Assim que a mulher olhou em seus olhos negros, a energia do apartamento voltou. A sala ficou mais clara, o televisor ligou sozinho.
    —Aqui está o que lhe foi prometido.
    Ele abriu a maleta com o dinheiro.
    —Podem contar, se acharem necessário.
    A mulher levantou-se, acompanhando o olhar do marido, extasiado, em direção aos dólares. Seus pensamentos só foram desviados pelo anúncio do plantão na TV, dizendo que um Boeing havia explodido ao aterrissar em um país longínquo, às 4:26 daquela madrugada.
    O homem de preto foi saindo, mas antes advertiu:
    —Sugiro que aproveitem logo o dinheiro. Nunca se sabe, não é? Talvez vocês tenham os sete dias pela frente, mas pode ser menos. Depende de quando a outra pessoa apertar o botão preto. Mas não se preocupem tanto, porque tem gente que prefere apertar o branco. Um bom dia para o casal.
    E saiu, levando a maleta com os botões e deixando o dinheiro e um profundo silêncio no recinto.  

3 comentários:

  1. muito fantastico msmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm

    ResponderExcluir
  2. Nossa, muito bom, fantástico mesmo

    ResponderExcluir
  3. Gostei, achei muito parecido com um filme mais, é bom... XD

    ResponderExcluir